Adoro passar tempo nas galerias asiáticas dos museus de arte, onde o próprio andaime do tempo desaba e quase todas as obras parecem abrir portas para as questões filosóficas mais profundas.

Este sedutor escultura, no Metropolitan Museum of Art de Nova York, foi esculpido em arenito no Camboja há cerca de 1.100 anos. Retrata uma figura divina cujo corpo está dividido verticalmente. De um lado, com o volume do peito e a saia longa, parece feminino. O outro lado, com peito mais achatado e cintura mais curta, parece masculino.

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O deus, uma divindade hindu, é Ardhanarishvara, a forma metade masculina e metade feminina de Shiva. Na cosmologia hindu, Shiva é o deus de quem emana toda a vida, o deus da destruição e senhor do tempo.

“Você é uma mulher. Você é um homem. Você é o jovem e a donzela também.” Assim diz um versículo dos Upanishads, as escrituras hindus que apresentam uma visão do mundo, em toda a sua diversidade, como tendo uma única fonte. “Não tendo princípio”, continua o mesmo versículo, “vocês estão em toda parte. [You] de quem nascem todos os mundos.”

Se nascer exige uma separação, o mesmo acontece com a geração de uma nova vida e, na verdade, com o próprio tempo. A geração de uma nova vida requer a separação entre homem e mulher. Ardhanarishvara é incomum em reuni-los. Então, qual é o seu significado?

Uma explicação para esta divindade sexualmente unificada (como John Guy, do Met, explicou num ensaio sobre o sincretismo sexual na arte indiana) vem de uma lenda sobre Shiva e sua consorte divina, Parvati. Para conseguir a aceitação de Shiva, Parvati realizou atos de extremo ascetismo e penitência. Ele a recompensou absorvendo-a em si mesmo.

A unidade resultante, representada nesta bela escultura, excluía, contudo, a possibilidade de atividade sexual e procriação. Há uma tensão residual nas primeiras representações de Ardhanarishvara, onde Shiva é mostrado com um falo ereto, sugerindo que a própria figura ainda está lutando contra a resolução, lutando pela divisão que cria desejo e regeneração.

Mas nenhum sinal desse tipo é visível nesta escultura cambojana, que é incomumente serena. O peito é relativamente plano, os quadris são apenas ligeiramente mais largos de um lado e os diferentes comprimentos de tecido parecem uma pequena diferenciação.

No entanto, quando se encontra esta escultura nas galerias do Met, a assimetria permanece impressionante. O desequilíbrio está estranhamente ativador. A unidade foi alcançada, mas vocês ficam com uma sensação de divisão latente.

O desejo é tão paradoxal. É como uma flecha que transforma o vazio em uma ferida, que por sua vez dói pela flecha. Na cosmologia hindu esta clivagem contínua é a fonte (como escreveu Roberto Calasso em “O”, sua recontagem dos mitos hindus) de “o tempo, todos os tempos, todo o tempo que existiria, toda a história, todas as histórias que ocultariam invisivelmente toda a existência”. Sem desejo, em outras palavras, tudo existiria num presente indiferenciado.

Fuente

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